Eventim reorganiza a casa no Brasil e firma posição diante da explosão de shows e turnês internacionais
Segunda maior empresa do mundo em vendas de ingressos, a Eventim resolveu arrumar a casa no Brasil em 2021, em plena pandemia, e agora colhe os frutos da estratégia. O CEO Jorge Reis admite ter contado com um “empurrão” do pós-pandemia, pois os shows e eventos continuam abarrotados, mesmo com os preços dos ingressos nas alturas. Mas a reestruturação teve a sua importância para o resultado.
Jorge diz que o fenômeno dos shows e eventos lotados é mundial, mas no Brasil parece estar ainda maior. Ele aponta três principais fatores para o fenômeno – demanda reprimida e vontade das pessoas de irem a eventos e dos artistas de fazerem shows – e arrisca uma explicação um pouco filosófica. “Eu achava que era só demanda reprimida, mas já faz quase dois anos e continua. Quem sabe a pandemia fez as pessoas repensarem o que é viver e o que é curto, médio e longo prazo.”
A projeção para 2023 era que o ano seria mais fraco do que 2022, pois a expectativa era de um refluxo natural da demanda, mas aconteceu exatamente o contrário. Agora, para 2024, a expectativa é que o ano “continue como foi 2023, talvez até um pouco mais forte”.
A Eventim é listada na bolsa de Frankfurt e não abre seus números sobre o Brasil (o balanço financeiro do terceiro trimestre não traz uma única menção do país). A receita da empresa cresceu 23% nos nove primeiros meses do ano, para 1,75 bilhão de euros, enquanto o Ebitda aumentou 34%, para 338 milhões e o lucro líquido subiu 57%, para 205 milhões. A gigante alemã até teve um fluxo de caixa livre positivo de 29 milhões de euros na operação, mas queimou 206 milhões de caixa quando incluídos na conta os investimentos (-92 milhões) e as atividades financeiras (-143 milhões).
Mas Jorge garante que a operação brasileira é lucrativa (e diz que ela não era até a sua chegada). Diz também que 100% da receita no país ainda vem da taxa de conveniência cobrada na venda de ingressos, mas a empresa está buscando diversificação.
A Eventim tem hoje 2 milhões de acessos únicos por mês no site e vende 6 milhões de ingressos por ano no Brasil (em todo o mundo são mais de 250 milhões/ano). Ela entrou no país em 2016, e a estratégia inicial foi crescer e ganhar mercado. Mas, desde que o CEO assumiu o cargo em 2021, a busca foi torná-la rentável. “Houve um movimento de ganho de market share no começo, mas uma hora tem que dar lucro. E eu sempre fui muito focado na última linha do balanço”, afirma o CEO em referência ao lucro líquido.
“Por isso fizemos muitas mudanças na parte estrutural, com reorganização de processos e reestruturação de pessoas. Algumas saíram, outras foram demitidas, e com isso mudamos de 70% a 80% dos gestores. Só ficou o da área financeira”, conta o executivo ao IM Business. Ele trouxe muita gente de fora, e o número de funcionários cresceu de 45 para 60. Houve também uma mudança nos clientes. “Tinha cliente que dava muito trabalho e não dava resultado. Vimos que 5% dos nossos clientes traziam 90% do nosso resultado, então fizemos mudanças”.
Carioca radicado em São Paulo, Jorge começou sua trajetória como petroleiro e entrou no setor em 2000, quando fundou a Ingresso.com. A empresa foi adquirida em 2007 pela Submarino, e o executivo ficou mais 4 anos na B2W como diretor (antes de a empresa se juntar à Americanas). Saiu em 2011 e não viu a Ingresso.com ser vendida por R$ 280 milhões para a Fandango Media, empresa americana que faz parte da NBC Universal. Cinco 5 anos depois, ela foi comprada novamente e hoje faz parte do grupo UOL.
O executivo acompanhou tudo de longe, pois já estava como chefe de operações (COO) da IMM – a antiga IMX, de Eike Batista, que foi vendida para o fundo Mubadala, de Abu Dhabi. Ele ficou na empresa por 9 anos, até ir para a Eventim em um acordo comercial para a empresa alemã passar a vender os ingressos dos shows e eventos da empresa dos Emirados Árabes Unidos. Junto vieram também ativos importantes como o Cirque du Soleil e o Rio Open (a IMM continua na produção e organização dos eventos).
O desafio de vender ingressos
Nos últimos dois anos, a Eventim se consolidou como líder na venda de ingressos de grandes shows. Ela foi a responsável pelas vendas de grandes turnês internacionais no Brasil, como RBD, Coldplay, Metallica e Paul McCartney, e também de artistas brasileiros, como Titãs e Caetano Veloso. “Só a turnê dos Titãs foram 50 shows”, conta o executivo.
Jorge diz que o Brasil já entrou no mapa das grandes turnês internacionais, pois tem não só demanda do público, mas também infraestrutura e mão de obra para receber os shows – o que credita aos grandes eventos esportivos da década passada (a Copa do Mundo, que trouxe bons estádios, e o Pan e a Olimpíada do Rio). “O Brasil se inseriu de forma mais recorrente como player relevante no mercado internacional de shows”.
A venda de ingressos é uma parte importante desse processo. Com sede em Bremen, a Eventim foi a responsável pela Copa da Alemanha e pelas Olimpíadas do Rio e de Paris (que será realizada no ano que vem). Jorge afirma que a empresa tem estrutura global e capacidade para atender a qualquer demanda, mas o setor apresenta “um desafio muito grande e ingrato”.
“O momento da abertura [da venda de ingressos] demanda uma infraestrutura muito grande, e o desejo das pessoas é um só: comprar o ingresso para aquele show. No do RDB, por exemplo, tínhamos 800 mil pessoas na fila, e a primeira oferta tinha 110 mil ingressos. Atendemos a 55 mil pessoas”, conta Jorge. “Mas 745 mil ficaram sem. Eu queria vender para todo mundo, mas não era uma opção”.
Ele também cita outras questões, como possíveis problemas no processamento do pagamento (uma compra no cartão de crédito precisa passar por 3 a 4 soluções diferentes, de provedores externos) e fraudes. “É um ambiente dinâmico e complexo – e um desafio tecnológico. Estamos processando clientes de vários bancos e adquirentes ao mesmo tempo”, afirma Jorge, que se formou em informática na década de 80. “Mas já vendemos 300 mil ingressos em 20 minutos. Hoje é mais fácil, pois temos as clouds para ir escalando uma operação. Difícil era antes, que tinha de tentar prever a demanda e depois torcia para dar certo”.
Concorrência e diversificação
Apesar de ser líder na venda de ingressos de grandes eventos no país, a Eventim agora tem uma concorrente à altura: a Ticketmaster, que pertence à Live Nation e é a maior empresa do setor no mundo. A empresa listada na Nyse começou a operar no Brasil entre o fim do ano passado e o começo deste ano e já é responsável por festivais como Rock in Rio, Lollapalooza e The Town, além do carnaval do Rio.
Jorge minimiza o novo desafio e diz que o mercado brasileiro de venda de ingressos é bem maduro e tem empresas sérias, por isso é tão fragmentado. Efeito da concorrência ou não, a Eventim está buscando diversificar as suas receitas e tem buscado vender ingressos de outros tipos de eventos, como feiras, congressos e exposições temporárias. “Nós buscamos um mix que tenha rentabilidade com recorrência. O Cirque du Soleil, por exemplo, é um evento que dura 8 meses”, afirma o executivo. “Eu não sei como vai ser o futuro [do setor], mas a diversificação ajuda na recorrência e na rentabilidade”.
Sobre a venda de ingressos para jogos de futebol, pela vocação natural do país, Jorge diz que “já teve mais interesse; hoje, nem tanto”. Ele destaca que na Alemanha a Eventim “vende ingresso para mais da metade dos clubes”, mas aqui a realidade é diferente. “Nós estamos analisando novos mercados e futebol é um deles, mas é um setor que tem muitas customizações. Os programas de sócio torcedor não têm padronização, o que torna o custo muito alto e diminui as margens”, afirma o executivo. “Estamos olhando, mas é um custo muito grande para um retorno duvidoso”.
Uma das novas frentes de negócio da empresa foi iniciada há menos de um mês e nem sequer foi anunciada oficialmente. Os ingressos para grandes eventos estão tão caros atualmente que a Eventim passou a vender um seguro, em parceria com a MetLife. O produto custa 4,8% do total da compra (ingresso + taxas) e protege contra morte acidental, doenças graves, incapacidade temporária, internação e até desemprego, e as empresas dividem o lucro.
A companhia também passou a oferecer a opção de parcelamento com juros na venda de ingressos, que hoje facilmente superam os R$ 1 mil com taxas. “Hoje 100% da nossa receita vem da taxa de conveniência, mas começamos a buscar outras fontes de receita orgânica”, afirma o executivo.
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