Se a perda de um ente querido já é difícil, tudo pode piorar se houver dinheiro em jogo. Para resolver grandes disputas pelo espólio, que muitas vezes ficam travados por anos de litígios e até falta de liquidez, um mecanismo que tem o potencial de criar novo mercado pode ser um atalho nesse processo: a antecipação de créditos de herança.
A ferramenta foi desenvolvida pelo escritório Chiarottino e Nicoletti Advogados, que se uniu à gestora Buriti Investimentos.
Utilizando um mecanismo simples, previsto no artigo 286 do Código Civil, a novidade pode ajudar a evitar o calvário dos herdeiros para receber o que lhe é de direito, cedendo o crédito, com deságio, para terceiros, segundo explica o advogado Leandro Chiarottino, sócio-fundador de Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Para viabilizar a operação, o plano do fundo é captar cerca de R$ 200 milhões para antecipar a liquidez de espólios já mapeados pelo escritório de advocacia, que em seu conjunto reúnem bens da ordem de R$ 2,5 bilhões.
Segundo o especialista em planejamento sucessório, o processo de recebimento de heranças no país, especialmente quando envolve o patrimônio de empresas familiares e ativos pouco líquidos, como imóveis, pode demorar décadas, ainda mais havendo briga entre os herdeiros. “As disputas judiciais são tão longas que os imóveis e outros bens ficam parados, faltando dinheiro até para pagar impostos e taxas, prejudicando ainda mais a divisão do espólio”, diz o advogado.
É justamente nesse momento que aparece a saída de antecipação dos valores para conclusão do processo. Chiarottino diz que esse mecanismo já existe em países mais desenvolvidos, onde o imposto sobre heranças pode chegar a 50%, como na França, por exemplo. “Quando falta dinheiro é exatamente onde uma injeção de capital traz os maiores resultados práticos para os investidores”, diz.
Para Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor de Ibmec e Insper, a indústria de fundos tem recorrido à criatividade para explorar investimentos alternativos e o mercado de direitos creditórios tem potencial, sobretudo, na área de recebíveis judiciais e ativos estressados. “A regulação de recebíveis como duplicatas escriturais e arranjos de pagamentos podem tornar esse mercado ainda mais aquecido, juntamente com soluções tecnológicas para dar maior segurança às transações, a exemplo das operações de tokenização”, afirma.
Heranças e quaisquer outros fluxos sujeitos a contingências são uma alternativa interessante, de acordo com Costa. “Mas é preciso atentar-se ao perfil de risco dos investidores e ao regulamento do fundo.”
Apesar de ser possível, a antecipação de pagamento de heranças pode ser muito complexa, na avaliação de Aílton Soares de Oliveira, sócio-fundador do escritório A. Soares de Oliveira Advogadas e Advogados e especialista em Planejamento Sucessório e Contencioso de Família. “A multiplicidade de partes é o maior problema. Se a lei veda até antecipação de legítima que prejudique futura partilha, imagine a antecipação pós-morte sem a participação dos herdeiros? Qual seria o abatimento para um risco desse? Na minha visão, não há como se fazer uma operação justa do ponto de vista do equilíbrio contratual”, diz.
Como funciona?
Os fundos dedicados a direitos hereditários funcionam para inventários que não têm liquidez financeira para pagamento de impostos, como de imóveis parados, ou quando há litígio ente os herdeiros. Ele se dedica a antecipar os recursos aos herdeiros, uma parte da herança ou outros valores, pondo fim às discussões entre as partes. Ao antecipar o dinheiro, o fundo adquire os direitos.
Herdeiros que, por exemplo, tenham R$ 100 mil a receber dentro do inventário fecham acordo com o fundo que adquire o direito hereditário, com deságio. O acordo deve ser homologado judicialmente para ter validade.
A partir disso, o tramite na Justiça anda mais rápido, porque não tem mais discussão. De acordo com Chiarottino, não existe ainda nenhum produto equivalente no Brasil. “Essa solução que estamos lançando agora em 2024 pode ser adaptada para diversos tipos de inventário, de vários portes. Mas claro que é indicado para os grandes e médios, onde valores são maiores”.
Para o especialista, no futuro, esse tipo de operação pode ajudar a solucionar muitos inventários, desafogando o Poder Judiciário. “Também pode beneficiar os estados, porque deve acelerar o recolhimento de impostos sobre a herança”.
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