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Falta de dados atualizados de seguros afeta atendimento em catástrofes como a do RS?

Avaliando detalhe de dados economia (Foto: Pexels)

Um balanço divulgado pela CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), representante do mercado segurador no país, mostra que as seguradoras já registraram mais de 23 mil avisos de sinistros (ocorrência do risco previsto no contrato de seguro), totalizando R$ 1,67 bilhão em indenizações que serão pagas aos segurados, desde o início das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, no fim de abril.

Segundo o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, os números são uma estimativa preliminar e deverá crescer, sem dizer quanto. A estimativa preliminar foi divulgada no fim de maio e não houve, ainda, uma atualização.

O que prejudica esse cálculo mais apurado? Segundo levantamento da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), entre 2017 e 2021, a participação de casas do Brasil com seguro residencial subiu de 13,6% para 17%, o que representava 12,7 milhões de residências seguradas em todo país. A mesma pesquisa, com números de 2021, apontou que região do país com a maior participação de cobertura foi a Sul, com 29,7%, seguida de Sudeste (22,3%), Centro-Oeste (12,9%), Nordeste (7%) e Norte (4,6%).

Os dados, porém, são de três anos atrás. De lá para cá, muita coisa pode ter mudado. Só no ano passado o Rio Grande do Sul registrou pelo menos três ciclones em julho e outros quatro em setembro.

É um cenário que abre espaço para a pergunta: faltam dados mais atualizados sobre o setor? Como isso impacta o atendimento à população em catástrofes climáticas de grandes proporções como a vivenciada pelo Rio Grande do Sul? Para os especialistas do mercado consultados pelo InfoMoney, não é consenso que há um “vazio” de dados atualizados, mas há vários fatores que impactam o atendimento.

Segundo Dyogo Oliveira, presidente da CNseg, uma das principais dificuldades, no caso do Rio Grande do Sul, é o fato ocorrido ter sido “muito diferente do histórico”. “Esse é um dos desafios do setor de seguros, porque, por exemplo, no seguro rural tem um regime histórico de a cada x tempo tem uma seca ou tem uma enchente, e o que estamos vivendo é muito diferente desse histórico. Estamos vivendo uma mudança do clima, o que era uma expectativa de que o clima ia mudar, já é completamente diferente e isso prejudica a capacidade das próprias seguradoras de fazer essas avaliações”, comenta. Dyogo explica ainda que a entidade “vem trabalhando na ideia de criar um banco de dados de incidência climática” para ter informações mais precisas, “inclusive para auxiliar o estado a direcionar os seus investimentos”, ressaltou o presidente da CNseg em participação no Tá Seguro, videocast do InfoMoney sobre o mundo dos seguros.

Outra variável importante é o acionamento do seguro — a chamada “abertura de sinistro”, que é a comunicação oficial do cliente à seguradora para informar a ocorrência do(s) risco(s) coberto(s) pelo contrato de seguro (apólice). Afinal, muitos afetados pela enchente no Rio Grande do Sul demoraram semanas para conseguir sequer acessar suas casas e empresas, limpar os locais e mesmo avaliar a extensão dos danos.

Segundo Michelle Machado, head de Seguros da Auxiliadora Predial, os clientes podem levar até 6 meses para acionar o seguro dependendo do ramo, como é o caso do seguro condomínio. “Isso eu te atesto com muita precisão porque a região de Porto Alegre teve um vendaval muito forte este ano, no dia 16 de janeiro, tivemos mais de 150 sinistros, nós ainda estamos indenizando e, por incrível que pareça, ainda vem clientes síndicos, condôminos e de automóvel ainda relatando a abertura de sinistro”, justifica Michelle. Ela conta que ao perguntar aos clientes o motivo para acionar o seguro meses depois do ocorrido, as respostas são variadas, mas muitas delas incluem: não lembrar que tinha o seguro ou ter que agir muito rapidamente no conserto e preferir arrumar primeiro e pedir o reembolso depois.

No caso do seguro condomínio, que é o carro-chefe do braço de seguros da Predial, Michelle conta que a dificuldade está na avaliação dos danos, já que para providenciar consertos e indenizações é preciso calcular a extensão do problema. É diferente da indenização de um automóvel, cujo valor a ser pago ao segurado é baseado na tabela FIPE. “Precisamos ter os orçamentos [para o conserto do dano no condomínio]. Porque um carro é tabela FIPE. Mas e uma casa? Um condomínio? Como que se indeniza? Então isso ainda vai postergar por alguns meses, até porque falta prestador de serviço, e muitas empresas não têm nem como trabalhar e oferecer seus serviços, então isso ainda vai ser prolongado”, aponta a executiva.

Há também a alegação da baixa cobertura de seguros no país — ou seja, um volume pequeno de seguros contratados por pessoas e empresas. “Na verdade, eu não caracterizaria como um vazio de dados, mas como uma cobertura muito baixa. Por uma série de razões. Inclusive de natureza cultural e também de falta de maior esforço mesmo de penetração, de novos tipos de seguros. Hoje, o Brasil tem menos de um dígito de cobertura, mas se você se recordar, por exemplo, aquela grande destruição que houve em Paris, em função das manifestações contra o governo, os segmentos comerciais, negócios, etc tinham 90% de cobertura. Você vê a diferença brutal entre um caso e outro”, observa Gesner Oliveira, professor e pesquisador do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Na avaliação de James Theodoro, especialista em gerenciamento de risco e presidente da Korsa Riscos e Seguros, apesar de até “leigos” conseguirem imaginar que a catástrofe do Rio Grande do Sul resultaria em grandes perdas – e o maior sinistro da história do país – há sim uma lacuna em relação à estimativa do prejuízo. Ele concorda que a dificuldade de acesso aos locais atingidos, que durou por semanas, impacta na avaliação das perdas e cálculo dos prejuízos. “Dá para ter uma noção, sim, dos prejuízos, dos materiais porque foram perdas de comércio, indústria, veículos, residências e dos mais variados tipos de bens, e das pessoas, com perdas de vidas e de renda. É um sinistro de cauda longa, como chamamos no mercado, ou seja, os prejuízos vão se somar e acumular”, diz Theodoro.

Ele explica ainda que as seguradoras (e resseguradoras, que fazem o seguro do seguro) em tese conseguiriam já mapear os riscos segurados nos locais afetados, além de calcular os valores considerando os limites máximos de coberturas contratados. Contudo, a demora em divulgar as estimativas de prejuízos provavelmente estava ligada às divulgações de balanços das seguradoras, “para evitar contaminação”. “Foi muito mais uma decisão estratégica, mas que não tem como fugir, porque se [o impacto] não entrou [na divulgação] do primeiro quadrimestre, vai entrar no próximo”, ressalta o presidente da Korsa.

Como os dados podem ajudar?

Para Gesner, qualquer base de dados que agregue informações por regiões e que permita diferentes recortes é muito importante para políticas públicas. “O CadÚnico [Cadastro Único para Programas Sociais], por exemplo, mostra as pessoas mais vulneráveis que tenham sido afetadas [em eventos climáticos]. Tudo isso é muito importante e é muito útil na hora de fazer a reparação. É claro que a seguradora tem uma preocupação com as suas obrigações contratuais, já a prefeitura, o governo do estado e o governo federal devem ter uma preocupação mais abrangente”, diz

Para auxiliar com mais assertividade as famílias mais vulneráveis, explica o pesquisador, é importante não só ter dados atualizados mas promover cruzamentos das informações que se entrecruzam. Por exemplo: é possível utilizar geoprocessamento para identificar as áreas afetadas e depois fazer um recorte, dentro dessas áreas afetadas, de quais são as famílias que se enquadram no CadÚnico. “Isso ajuda a política social”, exemplifica o pesquisador.

Gesner conta ainda que o trabalho realizado no Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros da FGV inclui o preparo de um guia para os municípios com as melhores práticas de prevenção a extremos climáticos. Entre as medidas citadas no documento, uma delas é a possibilidade de seguros contratados por municípios com critérios de ajuda. Em caso de enchentes, a seguradora paga o município ou diretamente os beneficiários (ou seja, as famílias afetadas). “E como que ela vai priorizar esses pagamentos? Através dessa intersecção das famílias mais vulneráveis nas áreas afetadas”, completa o professor. Os critérios poderiam considerar quem teve perda total ou parcial do lar e está temporariamente ou permanentemente desalojado, por exemplo.

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